sábado, 19 de abril de 2014


© susana sobrado, lisboa, 2014





Considero que venci esta sensação vaga e assustadora que tinha dentro de mim. A vida é realmente difícil, uma luta de minuto a minuto, mas a luta é sedutora. Antigamente via um futuro caótico pela frente, porque eu não queria viver o momento que estava à frente do meu nariz. Queria que tudo me fosse oferecido, como uma criança muito mimada. Às vezes tinha a certeza, embora fosse uma sensação vaga, de que no futuro «poderia vir a ser alguém», de que poderia vir a fazer algo de «espantoso»; e outras vezes aparecia-me novamente o medo caótico de que «no fim estaria perdida». Começo a entender por que é que isso acontecia. Recusava-me a cumprir as obrigações óbvias que tinha pela frente, recusava-me a ir ao encontro do futuro, degrau a degrau. E agora, agora que cada minuto é pleno, cheio de vida e experiência e luta e vitória e depressão, seguido de imediato por mais luta e por vezes sossego, agora deixei de pensar no futuro, quer dizer, é-me indiferente se mais tarde vou realizar algo de espantoso ou não, porque algures no meu íntimo estou certa de que alguma coisa há-de sair. Antigamente vivia continuamente num estado preparatório, tinha a impressão de que tudo o que fazia não era a «sério», mas sim a preparação para algo diferente, algo «grande», a sério. Mas agora deixei-me totalmente disso. Agora, hoje, neste minuto, vivo e vivo plenamente, e a vida é digna de ser vivida.

Etty Hillesium, Diário (21, Março, 1941, às 8h30)


(para ti, Rafa)








1 comentário:

  1. Que espanto Susana, adorei, muito obrigada. E sim "é digna de ser vivida". :)

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